Iara Alberto
Cada pessoa tem suas lembranças e histórias dos Carnavais de Abaeté…

Para mim, o carnaval começava com a viagem de meu pai para BH a fim de comprar as partituras das novas músicas/marchinhas e, de quebra, na volta, trazia “um” chocolate redondo embrulhado em um papel dourado para cada filho. O chocolate derretia em nossa boca. Gostoso demais! Ao chegar a Abaeté, ele repassava as músicas para os componentes do “conjunto” e, aí sim, começavam os ensaios no alpendre lá de casa. Os músicos ficavam na sala anexa e quem quisesse ia chegando e a gente dançava pra valer.
Certo ano, meu tio Júlio, que morava na Bahia, chegou com as filhas. Elas eram muito extrovertidas, tinham um sotaque diferente e dançavam muito bem. De vez em quando, davam um show à parte com o frevo que não tinha nada a ver com as marchinhas e o ritmo baiano, mas era muito legal e diferente! Vale lembrar que, naquela época, não tínhamos nem televisão e tudo nos encantava.
Aqueles ensaios eram os acontecimentos mais esperados por nós. O papai tinha um conjunto que tocava no Nosso Clube. Faziam parte dele, além do papai, o Vicente Jaguaré, Vicente (marido da Zélia do Josa) e alguns outros músicos, mas que, sinceramente, não me lembro dos nomes.
Na adolescência, curtíamos os carnavais infantis. O que muito nos encantava era a Mirela que, a cada dia, aparecia com uma fantasia mais linda que a outra e ficava em cima de uma mesa no Abaeté Clube dançando e os rapazotes de queixo caído. Depois da folia, íamos para a pracinha chupar picolé de coco queimado, groselha, etc para nos refrescarmos. Na verdade, era tudo delicioso e uma alegria contagiante tomava conta da gente.

Lembro-me de umas moças que subiam na caixa d’água da casa para se bronzearem a fim de ficarem mais bonitas … Imagino que era o lugar que elas encontraram para ficar longe do olhar das pessoas e a gente descobria até isso. Nada nos passava despercebido… kkk.
Curtíamos o carnaval infantil e, à noite, íamos para a porta do Abaeté Clube para aguardar a chegada do bloco da Walderez, Wanda Villas Boas (mas não me lembro dos nomes das outras integrantes do bloco mais lindo que já tínhamos visto). Era cinematográfico, encantador, maravilhoso! Elas tinham uma fantasia de escravas que não sai de minha cabeça. A cada dia elas apareciam com fantasias mais lindas! E, é claro, havia outras moças com fantasias lindíssimas também. E nós lá, com nossas mães que aproveitavam para curtir aquela beleza…

Passados alguns anos, crescemos e começamos a frequentar o carnaval noturno. Corríamos do Abaeté Clube para o Nosso Clube (que ficavam bem perto um do outro, na Praça da Fonte Luminosa) e, na verdade, fazíamos nossa festa na pracinha, porque não tínhamos sossego de ficar em nenhum dos dois clubes. Enfim, queríamos participar e ver tudo. Era a fase do começo das paqueras, dos fãs, do despertar para uma nova vida que iniciava! Fazíamos fantasia e bloquinhos muito interessantes também.

Certa vez, eu já estava casada, e fui ao carnaval do Abaeté Clube com meu marido. A minha fantasia era um collant com meia arrastão e uma microssaia toda chamuscada de purpurina. Quando estávamos saindo para o clube, meu pai disse:
– Se fosse minha esposa, não sairia nem do quarto com a essa roupa.
Ao que meu marido respondeu:
– Eu não gosto de carnaval, mas sua filha gosta muito e, só de vê-la dançando e se divertindo, sinto-me feliz.
É o que digo: quanta coisa já aconteceu naqueles carnavais…havia de tudo: alegria, brigas, bebidas demais, o tal do lança-perfume e soube, inclusive, de certa vez que dois amigos e conhecidos meus brigaram e um corria atrás do outro na pracinha para chegarem às vias de fato. Ambos completamente chapados. Um deles se cansou, sentou num banco e ficou lá descansando para a nova etapa da tal briga. Daí o outro passou e devido ao “fogo” não o reconheceu e perguntou: – “você viu o fulano”? Ele respondeu, já correndo: – “vi, mas ele já está longe”…

Aconteciam términos de namoros, mas muitos relacionamentos começavam e sei de alguns que duram até hoje. O melhor do carnaval era a nossa vontade de viver, cantar, dançar e uma grande dose de inocência … isso era o carnaval de verdade…
Hoje, quando chego em Abaeté, vejo o Nosso Clube que não é mais “nosso”, o Abaeté Clube que não gosto nem de falar e sinto um aperto no coração com a torrente de emoções que invadem meu coração…
Mas não vou ficar triste, o carnaval está chegando, deixo o som das baterias tomar conta de mim e me entrego às serpentinas e confetes (que teimam em existir só na minha cabeça) e…
“EU QUERO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA”…

Em tempo: Engraçado que, depois da festa momesca, formávamos uma fila enorme no confessionário do Frei Mário para contar que algum rapaz pegou na nossa mão etc. Ele, enfastiado com a mesma ladainha, mandava a gente se penitenciar com uma Ave Maria. Todas falávamos a mesma coisa. Coitado do querido Frei Mário…