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Expedição Rural | As irmãs rezadeiras da Tapuia

Saberes e Fazeres , jeito de Ser e Viver das comunidades e Povos antigos de nossa cidade.
Apoio Sindicato Rural de Dores do Indaiá e Agil gráfica

AS IRMÃS REZADEIRAS DA TAPUIA

Antes de partir para mais uma aventura rural, visitamos Dona Alda.
Saímos às 14h30, e o céu anunciava chuva, mas o homem de pés no chão me tranquilizava, dizendo:
— Vai ser só uma chuvinha de nada.
Eu, no volante do meu velho companheiro — meu Uno branco —, um pouco ansiosa e preocupada, pois sabia que, para dirigir no barro, tem que saber. Assim dizia meu pai.
Seguimos pela Rua da Saudade rumo ao nosso destino: o local onde viveram as irmãs rezadeiras.
Embora chovesse, fomos com certa tranquilidade, exceto quando o meu velho Uno cismava de dançar. Dançar na chuva! Não me sentia capaz de acompanhá-lo, mas fui obrigada. E dançando seguimos a estrada: eu, o Evamir e o velho Uno branco.
Uma porteira com cadeado era sinal de parada.
Estacionei o Uno, e ali ele ficou — sozinho, disposto a nos esperar até à tardinha, fizesse chuva, sol ou até se a lua aparecesse.
Passamos por debaixo da cerca, com nossas tralhas: caixa térmica, celular para tudo registrar e a garrafa d’água.
Não era para bebermos, mas para jogar nos pés do cruzeiro, como de costume se fazia há mais de cem anos.
Seguimos pela trilha, rezando a oração de São Bento:
— São Bento, água benta. Jesus Cristo no altar , arreda cobra , arreda bicho , deixa o filho de Deus passar.
— Siga pelo caminho limpo — dizia Evamir.
Eu, teimosa, passava pelo mato.
E ele repetia:
— Pra que arriscar? Cobra, bicho peçonhento… vamos evitar.
Eu, sorrindo, continuava a caminhada sem mudar o rumo, pois naquele instante eu estava longe. Estava com as mulheres rezadeiras da Tapuia.
Ao longe, avistamos o local onde elas viveram. Local simples, é verdade — como tudo era naquela época — e que, para nós hoje, parece ser de abandono. Mas não era…
Passava pela minha cabeça os causos de Dona Alda, a quem visitamos antes de sair rumo ao nosso destino.
Conta Dona Alda, instigada pelo homem de pés no chão:
— Minha mãe, Tiburtina Pacífica de Moura, e meu pai, senhor Manoel Martins da Costa, constituíram uma família de seis filhos: José Martins, Valdomiro, José Osvaldo, Maria e Alzira — as rezadeiras da Tapuia. Tudo Pacífica de Moura.
Me intrometo na conversa:
— E como a senhora se chama?
— Alda — responde ela.
Imediatamente, minha mente voa e vejo, naquela velhinha de cabelos brancos e pele enrugada, uma beleza singela. Ali estava uma aura santa. E ela também era rezadeira.
Conta também:
— As irmãs moravam na região outrora chamada Grota do Quati, um cantinho na roça, na região da Tapuia. Elas iam à cidade a pé, levando na cabeça um balaio — na maioria das vezes, banana para vender. Carregavam consigo uma toalhinha molhada para limpar os pés e as mãos quando na cidade chegassem.
Mas logo na entrada, encontravam o senhor Osvaldo de Araújo que, vendo as velhinhas, comprava tudo que elas traziam. Muitas vezes, o senhor Osvaldo as colocava no carro e as levava para casa, preocupado com a distância que percorriam, já tão velhinhas. Assim, dali mesmo — no começo da Rua da Saudade, vindo da Tapuia — as irmãs voltavam, a pé ou de carro. Provavelmente rezando, contando causos do cotidiano:
Buscar água na grota… Passar na pinguela… Acender a fornalha, para, com a água da grota, fazer o café… Ao meio-dia, ir aos pés do cruzeiro rezar a Ave-Maria para os anjinhos ali enterrados…
E conta:
— Quando a noite caía, de longe ouvia-se o choro dos anjinhos, pois eram enterrados antes de serem batizados.
Conta que seu pai trouxera lá do Cedro do Abaeté o cruzeiro, em um carro de boi. Que ele abrira a grota e rezava para a água brotar… E, como um milagre, a água brotou.
As velhinhas rezadeiras viraram lenda. A estrada até a casa, compactada pelos pneus de carros que vinham de todo canto, trazendo pessoas para serem benzidas na esperança de curarem suas enfermidades, nos leva a crer que a fé caminha de mãos dadas com a simplicidade.
Fechamos a nossa expedição com o coração cheio de paz. O homem de pés no chão, cheio de fé.
Pedi, em silêncio:
— Senhor, aumente minha fé!

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