Relembrando esta reportagem, publicada na edição de março de 2002 do Nosso Jornal, prestamos nossa homenagem ao grande líder Geraldo Julião, que faleceu neste sábado, deixando muitas saudades e um grande legado a Abaeté e região.
Cacique Geraldo Julião: mantendo viva a tradição cultural de um povo
Cacique de uma grande tribo familiar, “Seu “Geraldo Vital de Souza, mais conhecido como Geraldo Julião, traduz a história viva de nossa gente. Bisneto de uma indígena “pêga no laço” por parte de pai e de uma negra escravizada por parte de mãe, ele nunca teve a chance de aprender a ler e escrever, mas (talvez mais que qualquer acadêmico) é um verdadeiro guardião da tradição cultural de seu povo.
Capitão do Congo Penacho, comanda um movimento religioso que bem pode ser comparado à dança sagrada dos velhos abaetés. “Com 45 integrantes e 20 anos de história, o grupo é uma família só”, conta Seu Julião, que coordena também uma Folia de Reis. “Quem dança com fé chega lá, com a ajuda de Deus e dos amigos”, confia.
Como um respeitado pajé, ele também é procurado para fazer benzições e já curou muita gente com a força da fé. Esbanjando força, alegria e bom humor, Seu Julião tem uma história de muita luta. E já passou dificuldades na vida. “Há um tempo atrás, a gente trabalhava de sol a sol para ganhar um quilo de toicinho. Era isso que os fazendeiros davam como pagamento. Comecei a trabalhar com menos de 10 anos. Morava na fazenda do João Martins, meu pai trabalhava na roça e eu era o esfria berrume, tudo o que mandavam fazer, eu fazia correndo. Uma vez, o pai me pôs na escola, mas eu sai para ganhar 200 réis apiando bois e, assim, ajudar a tratar dos irmãos”, recorda Seu Geraldo, que, aos 73 anos. ainda trabalha como carroceiro. “Se ficar à toa, eu adoeço”, confessa.
Com uma memória de dar inveja a muito jovem, Seu Geraldo ainda se lembra da bisavó que foi escravizada e faleceu com 115 anos. “Ela falava que quando essa geração visse o mundo cercado de aço, caixote falando e gente avoando, os filhos iam perder o respeito e nada dava conta de consertar as coisas. Hoje temos as cercas, as televisões, rádios, os aviões… e o mundo tá desse jeito”, comenta. Felizmente, esta previsão não foi confirmada em sua casa. Verdadeiro chefe de família, este “cacique abaeteense” é respeitado pela experiência, pelos sábios e simples conselhos, pela arte de conciliar. E repassa esta tradição aos filhos, noras, genros, netos e bisnetos, os abaetés desta nova era.
Legenda da foto: Seu Geraldo Julião conta que o terno Congo Caboclo do Penacho presta uma homenagem aos indígenas e negros, que fizeram uma capelinha para Nossa Senhora. Criado por ele em Abaeté há 20 anos, o Congo Penacho tem 45 integrantes e é o guia da Festa do Rosário.