
As Origens da Mais Antiga Polícia do Brasil
A Polícia Militar de Minas Gerais, a mais antiga do Brasil, completou no dia 9 de junho, 250 anos de história. A criação dessa força remonta ao ano de 1775, quando o Governador de Minas, Dom Antônio de Noronha, promoveu uma ampla reforma militar. Ele dissolveu as antigas Companhias de Dragões, vindas de Portugal para controlar a extração de ouro no início do século XVIII, selecionou os indivíduos mais capacitados dos Corpos Auxiliares, incorporou oficiais experientes dos regimentos do Rio de Janeiro e requisitou a Portugal um Sargento-Mor com bom conhecimento das novas técnicas de guerra europeias. Além disso, contava com novo armamento, arreios e cavalos. Esse corpo militar recebeu o nome de Regimento Regular de Cavalaria de Minas (RRCM). A estrutura militar em Minas Gerais durante o século XVIII possuía características peculiares, refletindo as necessidades de defesa e controle da região, especialmente em relação à exploração mineral. Nesse período, os corpos militares eram compostos, de forma simplificada, por três categorias principais: a Tropa Regular (ou paga, representada pelo RRCM), a Tropa Auxiliar (Milícias) e a Tropa Irregular (Ordenanças). A organização militar em três forças permaneceu constante em Portugal e na América Portuguesa até 1831, quando a criação da Guarda Nacional substituiu as tropas auxiliares e as ordenanças. Nesse contexto, a região dos rios diamantíferos Indaiá e Abaeté, bem como o atual Município de Abaeté foram fortemente influenciados pela presença dessas tropas desde a sua origem, impactando aspectos como a ocupação territorial e a formação dos núcleos urbanos.
A Presença Militar no Território Mineiro e em Abaeté
O Quartel Geral do RRCM estava localizado em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, onde 240 militares recebiam treinamento rigoroso, tornando-se uma referência para a formação dos cavalarianos em Minas Gerais. Recentemente, a rede hoteleira portuguesa Vila Galé adquiriu e restaurou este prédio histórico transformando-o num hotel de luxo, o Vila Galé Collection Ouro Preto. Entre os membros ilustres do RRCM, destacava-se o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, figura central na Inconfidência Mineira. O restante do contingente era distribuído estrategicamente em comandâncias espalhadas pelo território mineiro, principalmente nos postos de fiscalização e controle, conhecidos como registros ou postos de alfândega, onde se temia o extravio de riquezas. Além disso, esses militares eram responsáveis pela proteção das autoridades locais e do transporte das riquezas rumo ao Rio de Janeiro, bem como pelo cumprimento de diligências específicas determinadas pela Coroa Portuguesa. O mais antigo posto militar na região de Abaeté foi a Guarda do Ribeirão da Marmelada. Como o nome indica, localizava-se na foz deste afluente do Rio São Francisco, atualmente no extremo leste do Município de Abaeté. Era um estabelecimento que regulava a passagem de transeuntes na Estrada Real, que ia de Pitangui a Paracatu, margeando o Rio São Francisco pela sua margem esquerda, após atravessar o Rio Pará. Seu mais antigo registro é de um mapa feito pelo cartógrafo militar José Joaquim da Rocha em 1777. Quem quer que passasse pela Barra do Ribeirão da Marmelada era submetido a uma revista pelos militares da Cavalaria e pelos soldados pedestres auxiliares, a fim de serem cobradas as taxas sobre mercadorias e de impedir o extravio de ouro e pedras preciosas. No ano de 1780, serviu neste local o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, aos 34 anos de idade, período em que foi Comandante do Quartel de Sete Lagoas, com o título de Alferes Comandante do Sertão.

A partir de 1787, a Coroa Portuguesa intensificou seu interesse pelos Rios Indaiá e Abaeté, passando a enviar destacamentos militares para guarnecer a área e impedir o acesso de garimpeiros não autorizados. Naquele ano, houve a criação de uma tropa de ordenanças instalada na margem esquerda do Rio Abaeté próximo à sua foz, pelo Governador Luís da Cunha Menezes, e intensificou-se em 1789, quando seu sucessor, o Visconde de Barbacena, viu-se obrigado a instalar um Destacamento da Cavalaria Regular, que ficou conhecido como Quartel Geral de Santo Antônio do Abaeté, à margem direita do Rio Santo Antônio, para patrulha dos Rios Abaeté, Santo Antônio e do Sono. Apesar da ação, os aventureiros continuaram a reaparecer em diferentes pontos da região, tornando necessária uma presença militar permanente para conter suas atividades.
Em consequência, em 1792, foi estabelecida uma Guarda no Rio Indaiá, com o objetivo de impedir o retorno dos invasores e assegurar o controle da exploração diamantífera na área, que vinha recebendo serviços da Real Extração do Tejuco desde 1786. Esse posto militar passou a ser conhecido como Quartel Geral do Espírito Santo do Indaiá. O local escolhido para a construção do Quartel foi as cabeceiras do Ribeirão Pari, afluente do Rio São Francisco, estrategicamente situado ao longo da trilha que, partindo da Passagem da Piraquara, atravessava os vastos chapadões que antecediam a serra de acesso aos rios diamantinos. O primeiro Comandante designado para a guarnição foi Antônio Dias Bicalho, e as instalações militares eram simples, consistindo em um quartel destinado à residência do Comandante e outro para acomodação dos soldados. Devido à grande extensão territorial da região, outras unidades militares foram criadas como satélites do Quartel Geral do Indaiá. Eram eles os Quartéis de Sant’Anna, Palmeiras, São João, Ferreiros, Aragões, Cachoeira Mansa, Cachoeira Bonita, Quartel do Assumpção e Quartel São Vicente. Essas Guardas foram estrategicamente instaladas ao longo das antigas rotas utilizadas pelos garimpeiros, com o objetivo de controlar o acesso às áreas de exploração diamantífera.
Quartéis Estratégicos e a Fiscalização do Diamante
O Quartel da Cachoeira, também conhecido como Cachoeirinha, localizava-se no extremo sul do novo Distrito Diamantino, protegendo a nascente do Rio Indaiá, onde atualmente se encontra o Distrito de Cachoeirinha, no Município de Córrego Danta. O Quartel dos Ferreiros, por sua vez, era responsável por resguardar as cabeceiras dos Rios Abaeté e Borrachudo, situando-se onde hoje está o Distrito de Guarda dos Ferreiros, pertencente ao Município de São Gotardo, por onde passava a picada de Pitangui a Paracatu. O Quartel de Aragões, localizado no atual Povoado de Aragões, em Patos de Minas, patrulhava do trecho norte do Rio Abaeté até as cabeceiras do Rio da Prata. O Quartel Geral do Indaiá, situado às margens do Ribeirão Pari, servia de barreira na trilha que, partindo do Rio São Francisco, dava acesso à região mineradora, local onde atualmente se encontra a Cidade de Quartel Geral. Para impedir o acesso ao Rio Indaiá pelos flancos da Serra da Saudade, foram estabelecidos os Quartéis de São João, atual Distrito de Quartel Geral, e Sant’Anna, este último localizado na Fazenda Boqueirão, hoje pertencente ao Município de Cedro do Abaeté. Anexos ao Quartel de Sant’Anna, situavam-se os chamados Pastos do Rei, no espigão vertente do Quati, onde pastavam os cavalos das companhias militares e os muares utilizados no transporte de mantimentos e ferramentas da Real Extração. Até os dias atuais, a região conserva este nome. Por fim, os Quartéis do Assumpção e da Cachoeira Mansa, posicionados no atual Município de Tiros, tinham como função a proteção das áreas do médio e baixo curso do Rio Abaeté. Com um contingente militar que só era menor que o de Tejuco em Minas Gerais, a região viu seus soldados e oficiais engajarem-se em uma dupla jornada: a hierarquia militar e as atividades agropecuárias. Desse contexto, emergiu uma poderosa elite rural de caráter castrense.
José de Deus Lopes: O Militar que Moldou a Região
Nesse contexto, em ofício de 15 de novembro de 1806, o Presidente do Real Erário encarregou o Governador de Minas, Pedro Maria Xavier de Ataíde e Melo, de ordenar a extração de diamantes nos Rios Indaiá e Abaeté. As tropas militares foram fundamentais para a logística dessa empreitada, especialmente por meio da atuação do Quartel-Mestre José de Deus Lopes (1751-1839), que gozava de boa reputação entre algumas das principais autoridades da Capitania. Desde 1799, José de Deus era casado com Joana Helena de Sá e Castro, filha de um oficial do Estado-Maior da Cavalaria. Quando não estava em diligência, residia com a esposa, filhos e escravizados em uma confortável casa em Vila Rica. Em 1806, ocupava ele próprio um cargo no Estado-Maior no Regimento Regular de Cavalaria de Minas e mantinha estreita amizade com o Comandante-General Pedro Afonso Galvão de São Martinho e com o Governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Melo, padrinho de batismo de um de seus filhos. Este o considerava “oficial não só honrado, mas ativo e inteligente”. José de Deus Lopes também possuía longa experiência nos sertões dos Rios Indaiá e Abaeté, frequentando essa região esporadicamente desde 1791, quando ainda ocupava o posto de furriel e participava de diligências para a captura de garimpeiros. Em 1799, foi promovido a Quartel-Mestre, cargo que lhe proporcionou formação específica para a administração financeira e o abastecimento das unidades militares. Nesse contexto, foi designado pelo Governador, em 1807, para deslocar-se ao Quartel Geral do Indaiá e organizar a logística dos serviços diamantinos que ali se instalariam. No exercício dessa função, providenciou a construção das habitações destinadas ao Caixa e demais empregados, o plantio de roças de cereais para abastecimento dos trabalhadores, a distribuição de ferramentas e matérias-primas, o aluguel de bestas para o transporte de mantimentos, entre outras tarefas essenciais. Ainda no primeiro ano, acumulou o posto de Comandante do Quartel, passando a ordenar os giros das patrulhas e a efetuar prisões de indivíduos que circulavam na demarcação sem autorização.
Legado e Transformação: Da Tropa ao Empreendedorismo Rural
Com o fim da exploração oficial de diamantes, toda a infraestrutura remanescente da Real Extração nos Rios Indaiá e Abaeté ficou sob a responsabilidade de José de Deus Lopes, um dos Comandantes mais longevos do Destacamento do Quartel Geral do Indaiá. Depois de receber baixa das fileiras militares, em julho de 1818, com a patente de Sargento-Mor Reformado e direito a um soldo vitalício no valor de seis contos e seiscentos mil réis anuais, José de Deus Lopes passou a se dedicar às atividades agropecuárias, consolidando sua posição como proprietário rural na região. A sua Fazenda de Sant’Anna tornou-se uma das grandes produtoras de açúcar, rapadura, cachaça, toucinho, algodão e café de toda a região entre o Rio São Francisco e o Rio Indaiá. A sede localizava-se na margem direita do Ribeirão Sant’Anna, nas proximidades das fraldas da Serra da Saudade, no então Distrito do Espírito Santo do Indaiá, Freguesia da Senhora das Dores, Termo da Vila de Pitangui e Comarca de Sabará. A partir de 1842, com a fundação do Arraial Novo da Marmelada, passa a pertencer ao Curato da Senhora do Patrocínio da Marmelada (atual Cidade de Abaeté). A sede localizava-se a 18 quilômetros (três léguas) da atual Cidade de Abaeté, até ser demolida em 1962.
José de Deus Lopes faleceu em 14 de março de 1839, aos 88 anos, deixando uma fortuna de aproximadamente 69 contos de réis. Este militar exerceu um papel crucial no processo de ocupação e desenvolvimento econômico da região. Em uma época em que praticamente inexistiam instituições bancárias no interior de Minas Gerais, sua atuação como credor privado foi determinante. Ele concedia crédito a fazendeiros e pequenos proprietários, fomentando não apenas a expansão agrícola, mas também o surgimento de um comércio local incipiente, o que criou as bases para o fortalecimento econômico da comunidade. Entre seus devedores, figuravam importantes autoridades regionais, como Félix de Oliveira Campos, filho de Joaquina de Pompéu; o pároco de Dores do Indaiá, João Batista Aguiar; e Davi José Pereira, um dos fundadores do Arraial Novo da Marmelada (atual cidade de Abaeté), cuja formação esteve diretamente vinculada ao impulso proporcionado por essas operações de crédito.
Da fortuna e da propriedade deixadas por José de Deus Lopes, beneficiou-se principalmente uma de suas filhas, Isabel Carolina da Cunha Sampaio e seu marido, um jovem de Pitangui chamado Antônio Zacarias Álvares da Silva, que se destacou na segunda metade do século XIX como principal líder político e econômico da região de Abaeté e Dores do Indaiá. Este é um capítulo fascinante da história local que abordaremos em detalhes em futuras publicações.
A trajetória da Polícia Militar de Minas Gerais, desde sua origem como Regimento Regular de Cavalaria de Minas até os dias atuais, demonstra seu papel indelével na formação e desenvolvimento de regiões como Abaeté. Ao celebrar seus 250 anos, reverenciamos não apenas a instituição, mas também a memória de figuras como José de Deus Lopes, que com seu serviço e legado, contribuíram decisivamente para o tecido histórico e econômico de Minas Gerais. Desejamos muita longevidade e sucesso a todos os profissionais da honrosa PMMG.
