Cresci em uma família tradicional com raízes sólidas em Abaeté, mas minha família não sabia que a curiosidade me preparava para o desconhecido e que o conhecimento, devagarinho, dava- me asas para voar além do que imaginavam. Desde criança, ainda na época que Glória Maria apresentava o Globo Repórter, eu dizia para meu avô: eu quero ser como ela e viajar o mundo. A televisão alimentava esse desejo de criança diariamente e meu espírito aventureiro e sonhador tinha a certeza que seria possível – só ainda não sabia como. À medida que crescia, essa certeza apenas se fortalecia dentro do meu meu coraçãozinho.
Esse “sonho” de criança foi ganhando forma, e aos 33 anos tive uma oportunidade de tornar esse sonho minha atual realidade. Apesar de ser um desejo profundo e enraizado em mim, a experiência real é muito diferente daquilo que eu idealizava quando assistia aos programas de televisão. Talvez isso não aconteça com os jovens porque eles ainda estão construindo à vida, mas para um adulto deixar tudo para trás no Brasil em busca de novas oportunidades não é fácil. O sentimento de inutilidade, embora muitas vezes invisível, está profundamente presente na vida de um imigrante.
Em um piscar de olhos, a afinidade entre amigos, nossas tradições, nossa comida, nossas roupas, nossas músicas preferidas desaparecem, deixando apenas um vazio. Somos forçados a preencher esse espaço com outra língua, sem musicalidade e nuances totalmente diferentes da nossa, mas que torna a única forma de comunicação. E então surge a pergunta: quem sou eu agora?
Cultura e a reconstrução de identidade
Essa questão afeta diretamente nossa saúde mental. Na minha opinião, as pessoas romantizam demais a questão de imigração, mas aos meus olhos é um processo emocionalmente desgastante e exaustivo. O choque cultural, a solidão e a dificuldade de se sentir pertencente geram um estado de vulnerabilidade que muitos imigrantes não antecipam.Eu planejei por mais de 20 anos viver fora do Brasil. Mesmo assim, eu sofri um difícil luto migratório. Isso envolveu a distância dos amigos, aprovação familiar e a perda da identidade que antes parecia bem definida. Eu tinha uma vida estável no Brasil, e de repente, sou obrigada a me reconstruir em um ambiente que não reconhece nossas referências culturais, nosso histórico profissional ou até mesmo a forma como expressamos nossas emoções.
Criar uma nova identidade em um país estrangeiro é um desafio diário que exige resiliência e autoaceitação. No meu caso, precisei encontrar novos propósitos, novas formas de me conectar e, acima de tudo, permitir-me sentir e processar as emoções que surgem no meu tempo – já adianto que ainda não é fácil. Eu realmente tenho sensações que eu jamais imaginei que pudesse existir em um ser humano adulto. E sinceramente, eu ainda não sei lidar sozinha. Apoio emocional direcionado, através de terapia, aprender a me conectar com outros imigrantes, resgatar pequenas tradições está sendo uma ótima alternativa. Com isso, sinto que estou na porta de casa.
Parece contraditório, mas podemos ser raízes e asas ao mesmo tempo. Podemos carregar nossa história por onde formos, mas também temos a capacidade de nos transformar e crescer em qualquer solo. E talvez, no fim das contas, a pergunta não seja apenas “quem sou eu agora?”, mas também “quem estou me tornando?”