João Pereira Ferrão, uma história de vida inspiradora

Dia 25 de junho, filhos, netos, bisnetos, trinetos,, outros familiares e amigos de João Pereira Ferrão (18/06/1903 – 17/05/1987) se reuniram em Abaeté para prestar uma homenagem póstuma e relembrar a sua história de vida. O encontro teve início na Câmara Municipal e foi concluído com a inauguração de um busto na praça que leva o seu nome, no residencial Santa Luzia. A lei  2.839, de 22/12/2020, que denominou a Praça João Pereira Ferrão, foi proposta pelo vereador Vandélio Jose Ribeiro (Vavá), aprovada pela Câmara Municipal de Abaeté na gestão passada e sancionada pelo então prefeito Armando Greco Filho.

Familiares de João Pereira Ferrão, na Praça que leva o seu nome, no Residencial Santa Luzia.

Conheça a história de vida do homenageado, escrita pelos seus familiares:

João Pereira Ferrão (18/06/1903 – 17/05/1987)

Em uma manhã fria do mês de junho, às margens do Rio Indaiá, em Abaeté, na casa de Domingos da Silva Ferrão e Francisca Pereira, nascia o sexto filho do casal. Descendentes de portugueses e católicos que eram, decidiram pelo nome de João, em homenagem a São João Batista, que batizou Jesus, seu parente. Assim, no dia 18 de junho de 1903, nascia João Pereira Ferrão.

 Seus primeiros dias de vida foram marcados pela doença de sua mãe, que teve eclampsia e depressão pós-parto. Foram dias difíceis para toda a família e, como a história era contada com frequência, ele falava de suas lembranças e terminava dizendo: “Minha vida dá um rumance”.

Assim crescia o pequeno João, paparicado por quatro irmãs, Joana, Maria, Margarida e Cândida, e pelo irmão mais velho, Antônio Domingos.

O menino caçula se mostrava inteligente, observador e foi então, quando já tinha cerca de 10 anos, que um parente de seu pai ofereceu sua casa, para que João fosse para Abaeté e lá pudesse frequentar uma escola pela primeira vez. Desta feita, poderia aprender a ler e escrever.

Estava indo bem o pequeno até seu pai mandar um recado: estava precisando de ajuda para “bater” uma colheita de feijão. João nunca mais voltou à escola, o que lhe trazia muito pesar. Foram 30 dias de aula!

Os irmãos foram se casando, e João ficou sozinho com os pais, que agora já tinham certa idade, e a saúde da mãe estava muito comprometida por causa dos problemas no parto. A eclampsia resultou em uma falta de memória, que naquele tempo chamavam caduquice.

De volta à vida na Fazenda de Porto Velho, já em sua fase adulta, João apaixonou-se pela bela Maria Francisca, da família Romualdo. Casaram-se.

Em 12/01/1926 nascia a primeira filha do casal, Antônia. Em seguida, vieram Francisca em 15/08/1927, Geraldo, ou simplesmente Lu, como ficou conhecido, em 05/07/1929 e Madalena em 10/01/1931.

Como era comum à época, Maria Francisca não sobreviveu ao quinto parto. Depois de vários dias de sofrimento, João sentiu, com muita tristeza, a dor da derrota. Perdia sua companheira e um filho. E em um instante, ele se viu com quatro filhos menores e os pais idosos que necessitavam de cuidados especiais.

Suas atividades naquela época se restringiam à lavoura e pecuária: tudo muito primitivo.

Tinha fé de que as coisas melhorariam, até que, um belo dia, foi guiado à casa da família Pimenta, donos da Fazenda dos Pedrões. Nesse dia, conheceu a terceira filha da família, Maria Bárbara, e se encantaram. Em 01/09/1935, diante de familiares e amigos, disseram sim para a nova vida.

Casa da Fazenda de Porto Velho

Agora viviam sob o mesmo teto, João, Maria Bárbara, Antônia, Francisca, Geraldo, Madalena, Vô Domingos e Vó Chica, que já estava totalmente esclerosada, dependendo de cuidados, 24h por dia.

A chegada de Maria Bárbara deu um novo impulso à vida de todos, uma vez que sua capacidade de cuidadora e também de gestora era realmente admirável. A vida a presenteou, em 04/12/1936, dia de seu 19° aniversário, com o nascimento de sua primeira filha, Iracema.

João Ferrão e sua esposa Maria Bárbara

A vida corria célere às margens do Indaiá, que oferecia tudo que havia de melhor, inclusive os peixes mais saborosos de toda Minas Gerais. João Ferrão era conhecido como bom comerciante, sendo agropecuarista, fornecedor de creme de leite e representante das indústrias leiteiras da região.

Tinha enorme facilidade em envolver as pessoas com uma palavra animadora, um causo engraçado e, sobretudo, uma confiança de que tudo daria certo quando se deixa que a Providência Divina seja o guia. Assim foi desenvolvendo seu tino comercial e sua maneira de se relacionar com o próximo. O que o tornava diferente é que, além disso tudo, ele tinha aptidão para a música, sendo um excelente violeiro e com uma capacidade impar em memorizar fatos e coisas. Graças a isso, nas festas do final do ano, ele era sempre o “tirador” de Folia de Reis que todos respeitavam e gostavam de escutar.

A vida foi seguindo. Em 18/11/1938, nasceu Afonso e, em 11/10/1940, nasceu Lourdes. Com isso, a certeza de que precisavam de uma casa maior para abrigar toda a família.

A conexão com o mundo estava aumentando, e ele começou a pensar qual seria o melhor local para fazer a casa. Queria uma casa altiva, de onde pudesse ver as águas do Indaiá e também ser espiado pelo Morro do Trigo. As obras começaram, e nas águas de março de 1942, mudaram-se para a nova casa. Em 08/04/1942, nascia João, e em 03/03/1944 a Nair. Mas, nem só de felicidades são os nossos dias. Em 1944, Vô Domingos foi encontrar com Vó Chica no céu.

E a vida seguia seu curso, apesar das notícias de guerra. Naquele tempo, para que as crianças fossem alfabetizadas, os pais contratavam um “Mestre”, a quem ofereciam casa e salário. Assim foi feito. João sentiu que as crianças precisavam estudar e o futuro estava mais perto do comércio que ele conhecia nas visitas às cidades de Abaeté e BH. Foi aí que ele começou a planejar uma mudança para a Serra do Palmital. Continuaria com seu movimento agropecuário, mas incrementaria o comércio de primeira necessidade, o que chamavam de “venda”.

Serra do Palmital

Foi no mês de setembro de 1946 que a família mudou de endereço, e uma nova janela se abriria para todos, chegando mais uma integrante na família, Dagmar, em 23/12/1946.

Mais uma vez, o problema de espaço surgiu, e, de novo pensaram na construção de uma casa maior, que pudesse abrigar a todos. Nessa ocasião, trouxe de Abaeté o Zezé Teieiro, que era um excelente profissional na construção de casas. João montou, perto de casa, uma olaria, de onde saíram todos os tijolos para a obra. A criançada se divertia com o dia da queima, era um espetáculo para os olhos curiosos. Uma serraria foi instalada na propriedade, e toda madeira usada na casa, nas portas, caibros, piso, eram trabalhadas em casa. Os serralheiros titulares eram o Nego Calado e Juca Tunguinho.

Casa da Fazenda da Serra do Palmital

As idas de João a Abaeté tornaram-se mais frequentes, possibilitando angariar amizades e enxergar um mundo novo de possibilidades. Encontrar amigos, como o casal Manoel de Castro e Margarida, foi uma verdadeira bênção dos Céus. Eles tinham uma filha, Vitória, excelente professora, que se dispôs a ir para a Serra ensinar para os seus pequenos e para os filhos dos agregados. E enquanto isso, as visitas de caminhão agilizavam as idas à Abaeté e, consequentemente, à capital mineira para ampliar o comércio. Na nova casa, tinha a venda, com parte destinada a tecidos e armarinho. Faltava pouco para chegar a um Empório. Nessa nova casa, nasceu o Eduardo Antônio em 10/11/1952.

Com o empenho de João Ferrão e seus pares, foi construída, na parte mais alta do vilarejo, a Escola Rural da Serra do Palmital e uma pequena Capela onde, a cada trimestre, vinha o vigário para celebrar a Santa Missa. As primeiras professoras foram a Haideé Afonso de Menezes e Iracema Bárbara Ferrão. Essas professoras eram supervisionadas pela Prefeitura de Abaeté e lecionavam até a 3ª série primária. Na cabeça de João Ferrão, a educação era algo seríssimo.

Certo dia, quando estava em Abaeté, surgiu uma oportunidade de compra de uma casa que ficava nas proximidades da Praça da Capela São José. Imediatamente, imaginou suas crianças indo para a cidade para continuar seus estudos. A casa ficava na esquina da antiga Rua 11 de Junho (atual Rua Dr. Antônio Amador) com a Rua dos Andradas. Além de ser moradia para as crianças tirarem o Diploma (a quarta série do primário), a casa serviria para qualquer eventualidade: emprestar para amigos, ser pouso em casos de doenças ou outras questões de saúde, como nos partos dos herdeiros que ainda chegariam, pois assim, estariam mais perto da assistência de uma boa parteira, a saudosa D. Fia ou mesmo de um bom médico, se preciso fosse.

Assim prosperava a vida daquela família nos rincões das Gerais. Agora, transitavam, não em caminhões de leite, mas tinham a famosa Jardineira, da qual João Ferrão era proprietário, sendo o motorista José Valú, o seu sócio.  O comércio Ferrão atendia Serra do Tigre, Tiros, Serra Santa Marta (do outro lado do Rio Indaiá) e Pedrões.

João era um apaixonado pela evolução dos meios de transportes que o homem conquistava a cada dia.  Quando morava na fazenda Porto Velho, ele era dono da mula da mais pura raça, a mais ligeira da região, que o transportou em muitas jornadas e noitadas. Na Serra do Palmital, quando no mercado surgiu, a Rural Willys, ele entendeu que seria uma boa aquisição para ajudá-lo no transporte da família e dos amigos até as cidades do Abaeté e Dores do Indaiá, onde movimentava sua conta no Banco do Brasil.

Os negócios fluíam muito bem. Em meados dos anos cinquenta, ouviu falar de terras de cultura em Goiás, fartura de água, terras planas, um verdadeiro mundo novo, com a construção de Brasília. Um corretor daquela região entrou em contato, o José Dourado, e foi convencido que valeria a pena conferir. Ele decidiu ir de avião devido à distância: sairia da Serra do Palmital de avião e retornaria na mesma aeronave. Depois de concluído o campo de pouso, avisou ao corretor.

Naquele dia, João, viu seu sonho realizado: um avião teco-teco majestoso, imponente, no fundo do seu quintal. Era sem dúvida a maior façanha de sua vida. Partiram para Goiás. Foram até a Chapada dos Veadeiros, passando sobre Brasília antes da sua inauguração, que o impressionou, bem como o povo goiano e suas terras. De imediato, comprou duas fazendas. Voltou para a Serra e pediu ao corretor que sobrevoasse as fazendas de seus amigos e, para cada um, deixava um convite para um almoço em sua casa. Foi um dia inesquecível, com muitas comemorações. E à noite foi realizada uma festa que só terminou quando o sol já estava chegando.

E a Família crescia, José Osvaldo nasceu em 05/05/1954, Janina nasceu em 14/10/1957 e Paulo Roberto em 23/03/1963, a rapinha do tacho.

Maria Francisca – JOÃO PEREIRA FERRÃO – Maria Bárbara
Antônia – Francisca – Geraldo – Madalena – Iracema – Afonso – Lourdes –  
João – Nair – Dagmar – Eduardo – José Osvaldo – Janina – Paulo Roberto

Fazenda do Bicué

Já no outono da vida, procurando tranquilidade, João resolveu adquirir uma fazenda mais próxima da cidade de Abaeté, onde poderia encontrar seus amigos ou tratar de negócios mais fáceis. Foi aí que surgiu a Fazenda do Bicué.

Início dos anos setenta, quando a saúde de sua fiel companheira Maria Bárbara já era preocupante, viveu anos de angústia e apreensão, até que, em 12/04/1973, mais uma vez ele se viu só!

Lutas e sofrimentos ele sempre enfrentou sem se queixar. O seu lado espiritual era muito evoluído e acreditava que Deus nunca deixaria de ampará-lo nos momentos mais difíceis.

Casa da Fazenda do Bicué

No decorrer de sua vida, João Ferrão soube interagir com o meio em que vivia, respeitando as regras e as leis da Natureza, que via como uma grande mestra. Sabia ler nas entrelinhas, o recado que era dado pelo Senhor dos Tempos. Como grande observador, aproveitava seu conhecimento para futuras transações comerciais: com pequena mostra daquilo que plantava, ele já sabia como seria a safra de cada item dos alimentos que movimentavam o mercado. Não havia previsões, nem meteorologistas. Ele contava com a lua como sua mensageira, que mostrava se iria chover ou não a cada mês.

O seu entrosamento com a natureza e o mundo animal era muito interessante, chegando a quebrar algumas regras. Na Fazenda do Bicué, ele tinha um gato de nome Preto, preto como piche. Lindo, maravilhoso! Era um animal de casa e o acompanhava nas suas caminhadas até a cidade, como assim fazem os caninos. Outra coisa que esse gato fazia era trazer, para a sede da fazenda, cobras venenosas, para serem mortas.

Nessa fase da vida, achava dispensável um cachorro bravo como o Charuto (da Fazenda Porto Velho). Preferiu uma cachorrinha rápida como a Faúla, que o alertava de tudo o que acontecia. Nunca se excedeu na comida ou bebida. Levava a sério a lição que aprendeu de seu pai e soube passar para seus filhos: “Tudo com excesso faz mal. O segredo da vida está no equilíbrio”.

Com 14 filhos, 48 netos, 99 bisnetos 72 trinetos e 1 tetraneto, João Ferrão, chegou ao capítulo 84, lúcido, olhar sereno e fala tranquila, sem pressa e sem pausa. Ele sempre dizia que “a pressa é a inimiga da perfeição”. Oitenta e quatro anos de vida, tocando sua Fazenda do Bicué, fazendo cercas, realizando negócios com bancos, cumprindo assim, o eterno “fazer” de uma vida.

Não cansava de mostrar que a felicidade está em procurar entender quem somos e o que temos. E isso ajudou na caminhada de cada um de nós. Sua paciência era surpreendente quando conversava com os filhos. Em um momento de descontração, sua filha Dagmar lhe perguntou: “Pai, o que é a vida?”. Ele admirado respondeu: Minha filha, “A vida é entusiasmo. Entusiasmo com a sua vida, com o que você é e com o que você tem. Simples assim!

A sua família constituída de seis gerações que ele carinhosamente chamava de “Quiba Custosa”, hoje, 25 de junho de 2023, com gratidão e saudades, presta uma simples homenagem para um ser humano simples, humilde, honesto que soube com maestria, trilhar o caminho do bem. Deus lhe pague, JOÃO FERRÃO.

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