Maria Eugênia, mistérios da fé

Texto de Valério Lúcio Gabriel, publicado na edição de abril de 1999 do Nosso Jornal

Nunca falou, nunca andou. Mas sabia ouvir e ouvia muito bem. “Nossos ouvidos são janelas que se abrem para mundos maravilhosos…” Saber ouvir é uma das maiores qualidades essenciais a qualquer ser humano. Maria Eugênia veio a esse mundo na sua pureza, humildade e inocência, com o apurado dom de escutar e compreender o que respondia por mímicas.

Nasceu em 8 de março de 1911 na Serra do Tigre, município de Abaeté. E faleceu em 03 de dezembro de 1980, na Vila Vicentina. Não se sabe muito de sua vida, pois não existem registros escritos de sua história. E a única parente viva é uma sobrinha que mora no Beco das Galinhas, hoje impossibilitada de falar por causa de um derrame cerebral.

Maria Eugênia viveu com seus familiares até uma certa idade. Depois, com as crescentes dificuldades para cuidar dela, eles levaram-na para a Vila Vicentina. Era uma mulher negra de estatura pequena, papuda devido a uma disfunção na tireoide. Arrastava-se pelo chão e algumas pessoas até se assustavam quando a viam pela primeira vez. Mas, como diz o dito popular, as aparências enganam. E por trás de seu sorriso aberto, a alma sempre foi bela e imaculada, hoje espírito de luz, mediadora de graças entre o céu e a terra.

Começou a ser venerada desde pequena, e os milagres foram surgindo, as oferendas se multiplicando em forma de gratidão. Viva ou morta, as pessoas sempre a respeitavam como uma verdadeira santa. As grávidas tinham e tem por ela uma devoção especial. Faziam vários votos, como levar para ela a primeira sopa de galinha, antes mesmo de comê-la, levar a primeira chupeta do filho, a primeira roupa que criança vestia, uma porcentagem da colheita, colocar seu nome na criança, dar o filho para ela ser madrinha. Contam que, em vida, ela nunca ficou sem receber a sopa. E já houve devotos que moravam em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e lhe enviavam as sopas de avião, pois acreditavam que, enquanto ela não comesse, a mãe não poderia comer.

É a alma que mais recebe intenções de missas, de acordo com a secretária paroquial. Hoje, o seu túmulo em forma de capelinha é o mais visitado por crianças, jovens e velhos de todas as classes sociais, vindos de vários lugares, até de outros estados, para prestar-lhe uma homenagem. Rezar, pedir, chorar, agradecer, e, na maioria das vezes, depositar um objeto, um alimento, um pensamento de carinho, pelas graças alcançadas.

Chupetas e bonecas são o que mais se encontram no túmulo. Dizem que ela gostava de usar um colar de chupetas no pescoço. Pode-se ver também cadernos e livros, imagens e quadros de santos, restos de remédios, pedaços de cabelo, sapatinhos, balas e pirulitos, coisas infantis, mamadeiras, brinquedos, objetos de trabalho usados por profissionais de várias áreas, restos de gessos, sacos de cimento, fotos, flores, velas e muitos terços, que alguns fiéis trocam por outros que lá estavam e são considerados sagrados. Objetos e alimentos não usados são levados e aproveitados na cantina da vila.

Depoimentos anônimos de pessoas que se beneficiaram com a graça de Maria Eugênia.

“Fui várias vezes tirar a carteira de motorista, mas não conseguia. Alguém me disse então que eu fizesse um voto para Maria Eugênia. Fiz o voto de que, se tudo desse certo daquela vez, eu oferecia nove missas e nove chupetas em sua homenagem. Como um mistério, eu fiquei super tranquila e consegui tirar a carteira sem dificuldade alguma”

“Fiz um voto para vestibular de medicina. Consegui e cumpri a promessa, colocando em seu túmulo uma chupeta. Ela é muito milagrosa”

“Minha filha já havia feito curso de admissão para entrar no colégio por várias vezes e não passava. Foi então que eu me lembrei de Maria Eugênia e prometi que se ela conseguisse passar, eu levaria na Vila Goiabada com queijo que ela gostava muito. Ela fez de novo os exames e passou. Rezo muito por sua alma, pois sei que ela foi uma pessoa especial”

Carta de amor muito especial do afilhado

Marco Aurélio de Oliveira, filho de Zezé e Lica:

Fiquei demasiadamente feliz em saber que a imprensa local resolveu, em cunho informativo, homenagear tão doce criatura que, através da dádiva de Deus, escolheu o nosso meio para fazer sua estada carnal. Falar de Maria Eugênia sem me envolver emocionalmente e ser imparcial é uma tarefa bastante difícil, uma vez que junto a ela convivi quase toda minha infância, através de visitas semanais.

Minha mãe, que é sempre uma pessoa extremamente religiosa e ligada à filantropia, estava com problemas de saúde durante sua primeira gravidez, resultante de uma veia que dilatou-se e que poderia causar hemorragia no parto, levando-a a morte. Estando um dia na casa de meu avô paterno, conheci o Maria Eugênia, que residia no lar São Rafael. Ela enviou súplicas a Deus e, se tudo corresse bem, Eugênia seria madrinha de batismo de seu filho. Foi aí que ela entrou

Lembro-me bem que, aos domingos, quando me dirigia à vila para levar o seu almoço, despertava-lhe um enorme sorriso. Ela começava a balançar os braços como quem enina uma criança e seu olhar me dizia claramente o quanto ela amava seus afiliados. Seu instinto materno era grandioso, adorava bonecas e dela cuidava como verdadeiros filhos. Quando ganhava uma nova, sua felicidade era manifestada através de grandes e duradouras gargalhadas.

Maria Eugênia hoje é espiritual do povo de Abaeté. Independente da vontade dos dirigentes da igreja e da elite, essa busca em alcançar graças através dela aumentará cada vez mais. Principalmente pelo caráter de miserabilidade e sofrimento que nossa gente vem sendo vítima. Abaeté tem um enorme celeiro de celebridades. Grandes médicos, ilustres advogados, nobres educadores, audaciosos esportistas, competentes funcionários públicos, prósperos comerciantes e industriais, fazendeiros e atividades rurais, teve grandes políticos. Será que não chegou a hora de Abaeté ter também a sua santa?

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