Edgardo José de Campos Melo*
Para que chorar o que passou, lamentar perdidas ilusões, se o ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações.”
(Charles Chaplin em Luzes da Ribalta)
Lembrando estes versos famosos, anseio que novos corações se irmanem e reconstruam o Velho Abaeté Clube. Fundado pelo juiz de Direito da Comarca, Dr. Orôncio e uma plêiade de cidadãos prestantes de Abaeté, foi por décadas palco de grandes festas e reuniões alegres da sociedade abaeteense, onde os jovens, principalmente nas férias, se reuniam ao som das músicas em voga.
Era um clube elitista, onde só frequentavam os sócios cotistas e seus dependentes e convidados. Como a política municipal era renhida, o Clube era frequentado pelos partidários da UDN e PR, chefiados no início por Frederico de Oliveira Campos e depois por seu sobrinho, Dr. Edgardo da Cunha Pereira Filho e Dr. Canuto Cruz e Souza.
Os partidários do PSD, chefiado pelo Dr. Amador Álvares da Silva, frequentavam o Nosso Clube, apelidado de Poleiro, por funcionar no segundo andar do prédio de esquina, pertencente aos herdeiros de Osório Gontijo.
Ambos se situavam na mesma praça, hoje Praça Dr. Canuto. Animados carnavais, com confetes e serpentinas, fantasias e o lança-perfume (éter perfumado), depois proibido, era usado livremente, inebriando seus salões, com seu cheiro agradável, ou tonteando e levando, os exagerados que o cheiravam, ao desmaio. A banda afiada de Sizínio Alberto, com suas alegres marchinhas, agitava os carnavalescos.
Funcionou bem por mais de meio século, até o afastamento, pela idade de Dr. Aloysio da Cunha Pereira, que o controlava com mãos de ferro. Os sócios cotistas são seus proprietários. Cada cota cobria a mensalidade de dois meses e, assim sendo, eram sócios remidos os titulares de seis cotas. Eu tenho doze cotas, seis herdadas de meu pai, Dr. José de Campos Melo (Dr. Melo) e seis que adquiri na década de setenta, visando amealhar fundos para a expansão do prédio-sede.
No início, o Clube funcionou num casarão onde hoje é o prédio do Credioeste e depois, na presidência do Dr. Melo, foi construído o prédio até hoje existente. Seu salão era considerado enorme para a população da época.
Façamos justiça: seu perfeito funcionamento se deveu à gratuita colaboração de seus presidentes, diretores sociais e comissários da envergadura de Gabriel Rosa Botelho, Manuel Francisco Álvares da Silva Lilico, Flávio José Pereira, Antenor Bomtempo de Lima, Aloysio da Cunha Pereira e João José Tavares da Silva – o Zé do Aprígio. Seu bar foi comandado pelo Zé Gonzaga, Paraíba e Teia. Seus porteiros, por anos, foram o Temóteo e o Eduardo e o Flôr. O grande salão, com cobertura metálica no fundo do terreno e entrada pela Av. Dr. Guido, foi erguido na administração do Zé do Aprígio.
Na minha mocidade, em época de férias, os frequentadores assíduos eram os filhos e filhas do Candico e Augusto Caco, do Rodolpho Mourão e Zé Mourão, do Flávio dos Melosos, do João do Zico, do Gersino, meus dois irmãos, Alfredo e Oswaldo, os filhos dos Drs. Edgardo e Aloysio da Cunha, do Abel Mourão e Bia, do Dr. Ezequiel, Zé de Paiva e Carlos de Melo Paiva, a numerosa família Garcia Valadares, do Retiro e do Fifico, a família Vargas e Alves de Sousa, Dirino Arruda, Viuvaldo, Edgardo Abreu, Nicole, Lage, Defeu, Alberto, Mascarenhas Vianna, Almeida Campos, Greco, Galdino, Evaristinho e tantas outras que não me lembro mais.
Foram muitas as farras, brincadeiras, horas dançantes e bailes de terno e gravata. Augusto Caco e o barbeiro Niquinho comandavam as quadrilhas e outras festas do folclore rural.
Os costumes e relações interpessoais eram muito rígidos, afastando os rapazes das moças. Para quebrar a insegurança e acanhamento, conheci quatro moças, pouco mais velhas, que faziam de tudo para aproximar os casais e que foram responsáveis pelo ensino da arte de dançar a gerações. Como esquecer da Iuquinha, fina moça, costureira, irmã da D. Carmita do Vicente Tavares? Também da alegria e desinibição da Nininha Redonda e suas duas e inseparáveis companheiras, a Cenira e a Lourdes da Nigrinha, esta ainda viva. Estas três últimas citadas eram secretárias dos consultórios médicos do Dr. Avelino Dirino Arruda e do Dr. Edgardo da Cunha. Nenhuma delas se casou.
Um causo do antigo Abaeté Clube
Para não esticar muito, vou contar uma festa, da qual participei, sem dúvida de péssimo gosto, mas muito engraçada. Resolvemos, éramos uns seis participantes, servir uma PACA ASSADA no Abaeté Clube, oferecida a todos que fossem a uma Hora Dançante.
Na hora marcada, apareceram uns trinta convidados e devoraram, em minutos, o conteúdo de uma bandeja abarrotada de farofa e outros ingredientes, tudo muito bem regado a cerveja e do destilado da garapa de cana que, em Abaeté, só não bebia o sino da Igreja, por sempre ficar de boca para baixo.
Terminado o banquete, o CHICO ARARA, filho do casal Eloi Ramos e D. Almira, subiu em uma mesa com um saco na mão e bradou: olhem o que vocês comeram, cambada. E retirou o conteúdo do saco, suspenso pelo rabo. Era a carcaça com o pelo e a cabeça de um cachorro.
O Diretor Social da época era o Lilico, cuja alcunha era Conde. Muito sério e sempre trajando terno preto, eterno namorado de D. Júnia Capanema, dos Correios e Telégrafos, arriscou e também se serviu de um naco da caça. Sempre ficava até o final das festas e então fechava o Clube, carregando consigo a penca de chaves. Podia até raiar a madrugada que, compulsivamente, apesar de residir próximo à Praça de Esportes, descia a Rua Getúlio Vargas até o Casarão do Zé de Paiva, já na Praça da Matriz, só depois indo dormir. Alguns notívagos, curiangos da madrugada, juram que, neste noite, o viram uivar e urinar nos postes…
*Matéria publicada na edição de março de 2019 do Nosso Jornal