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Você sabia que um engenheiro de Abaeté teve papel decisivo na construção de Brasília?

Na edição de janeiro de 2001, o Nosso Jornal inaugurou a seção “Abaeteenses que fazem a nossa história” com uma entrevista conduzida por Camila Andrade com o Dr. Leonardo Leite Praça, pioneiro que participou das obras da nova capital e foi responsável por uma das frentes mais emblemáticas: a construção da Asa Norte.

Ele chegou a Brasília no início de 1960, em meio ao grande canteiro de obras idealizado por Juscelino Kubitschek. Viveu de perto os desafios de erguer uma cidade no coração do cerrado, enfrentando poeira, lama, prazos apertados e a descrença de muitos que duvidavam que tudo ficasse pronto a tempo.

Com determinação e liderança, Leonardo Leite Praça comandou equipes e viu a Asa Norte nascer praticamente do nada, transformando cerradão em avenidas, viadutos e asfalto. Mais do que isso: usou sua posição de prestígio como pioneiro para abrir portas a diversos conterrâneos, levando abaeteenses para Brasília, que lá encontraram oportunidade de trabalho e futuro para suas famílias.

Histórias como essa mostram que onde há um abaeteense, há sempre algo grandioso acontecendo.

Releia a entrevista concedida por Dr. Leonardo Leite Praça a Camila Andrade, em janeiro de 2001:

NJ: Como o senhor teve a oportunidade de trabalhar na construção de Brasília?
LLP: É preferível começar este relato contando alguns detalhes da história da construção desta cidade. Brasília foi a principal obra do governo do presidente Juscelino Kubitchek, que tomou posse em 1956, decidido a levar o povoamento e o progresso para o centro-oeste e norte do Brasil, que eram regiões isoladas, tudo como parte do Projeto de Integração Nacional. Era, sem sombra de dúvida, um projeto muito ambicioso para a época. Logo que tomou posse, J.K. tratou de obter do Congresso as leis necessárias e autorizativas para a construção de sua cidade. Em seguida, promoveu as desapropriações para a transferência do governo para o Planalto Central; criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP); promoveu um concurso de planos urbanísticos da cidade, cujo vencedor foi o arquiteto Lúcio Costa. Já no final de 1956, JK lançou a pedra monumental de Brasília e falou estas bonitas palavras: “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em palco das mais altas decisões nacionais, lanço mais uma vez o meu olhar para o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”. Forte, né ? Ele era otimista, idealista, carismático, um verdadeiro líder.

NJ: E a inserção do senhor nesta história?
LLP: Eu fui para Brasília com uns 60 colegas no início de 1960, último ano de governo de JK. Nesta época, ele visitava as obras, em companhia do Dr. Israel Pinheiro e dos chefes de departamentos. Numa destas visitas, quando eu estava trabalhando na edificação da plataforma rodoviária, tive a oportunidade de conhecer, pegar na mão e conversar com Juscelino, ele com aquela simpatia toda. Como disse, já estava se iniciando o ano de 1960 e Brasília não era nada, quero dizer, apenas um grande canteiro de obras… com a inauguração marcada para o dia 21 de abril daquele mesmo ano. Estavam prontos somente o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel, o resto em construções. Aquelas belas avenidas se resumiam em grandes valetas, sem galerias, rede de esgoto, nenhuma infra-estrutura, obras que, em dias de sol, tinham uma poeira infernal e, nos dias de chuva, lama que não acabava mais. E eu pensava: não vai ficar pronto nunca (risos).

NJ: Então havia um certo pessimismo rondando as construções?
LLP: Apesar de tudo, eu creio que não. Este Dr. Israel Pinheiro e a equipe que ele levou para comandar Brasília eram objetivos, determinados. Eu era um engenheiro recém-formado, um subordinado e me impressionava sua decisão. Ele não permitia, em hipótese alguma, que você duvidasse das metas que ele estabelecia. Ele falava “isto aqui tem que ficar pronto tal dia”, sempre sério, e as metas iam sendo alcançadas.
As empreiteiras eram contratadas para trabalhar 24 horas por dia, revezando turnos de operários. Em Brasília, não havia sábado, domingo, feriado, noite ou dia: a cidade era construída o tempo todo.

NJ: As “metas” foram alcançadas até a data de inauguração?
LLP: Quando chegou o dia 21 de abril, a cidade foi inaugurada como havia sido estabelecido. Aparentemente, tinha muita coisa pronta, mas era mais fachada. Os prédios da Esplanada dos Ministérios, o Congresso, a Praça dos Três Poderes, o Palácio dos Despachos, o Supremo, tudo estava inacabado, mas por fora estavam perfeitos. Mesmo assim, Juscelino inaugurou a cidade. Após este 21 de Abril até o final de seu mandato, as obras continuaram no mesmo ritmo, de sol a sol, sete dias por semana, pois Juscelino temia que seu sucessor paralisasse as obras, voltando a capital para o Rio de Janeiro. E isso quase aconteceu. Foi eleito para sucedê-lo Jânio Quadros, que contava com o apoio da UDN, cujos principais líderes eram cariocas: Carlos Lacerda, Adalton Lúcio Cardoso, Aguiomar Baleeiro. E eles, óbvio, queriam levar a capital novamente para o Rio, usando a famosa desculpa de que Brasília não tinha condições para abrigá-la.

NJ: Como vocês encaravam esta possibilidade?
LLP: Nós também sentíamos que o sonho poderia acabar, já tínhamos amor por Brasília, tínhamos entusiasmo em fazê-la tornar-se realidade, então trabalhávamos com todo empenho. Para ser sincero, preferíamos não pensar nesta possibilidade. Todos que chegaram a Brasília naquela época são considerados pioneiros. Eu sou um pioneiro de Brasília!
Agora, era natural que estes pioneiros, que tanto lutaram pela concretização da cidade, viessem a ter muito prestígio ali. Nós éramos muito amigos e, em 1967, nós tínhamos tudo. Todos os cargos de importância em Brasília eram destinados aos pioneiros. Nesta ocasião, eu consegui tudo que era possível. Foi aí que eu consegui, como vice-diretor do Departamento de Estradas e Rodagem do Distrito Federal, vários cargos dentro do governo e os destinei aos abaeteenses que precisavam e me procuravam. Tive a oportunidade de participar de delegações e comissões indicadas pelo governador para representar o DF. Logo, havia as possibilidades de empregar pessoas, porque, de fato, os órgãos precisavam delas. Era questão de alguns telefonemas e os abaeteenses foram sendo empregados.

NJ: O senhor acha que trabalhar em Brasília era encarado como uma oportunidade de progresso?
LLP: Creio que sim. Nós que construímos Brasília sabíamos que íamos obter os frutos, mas foi uma fase de grandes sacrifícios. Não foi brincadeira viver lá naquela época, pela falta de conforto. Eram pequenas casas de madeira, vivíamos na poeira, na lama, demorou para que ela se tornasse linda como é hoje. A situação era tão delicada que os pioneiros eram chamados de ‘piotários’. Isto mesmo. Mas, apesar de tudo, valeu a pena.

NJ: O senhor fazia planos para o futuro em Brasília?
LLP: Eu pensava que meus filhos seriam os primeiros moradores da cidade que eu estava construindo, a primeira geração brasiliense. Eu planejava viver lá, mas, com o tempo, minha vida sofreu algumas transformações e, em 1984, eu voltei para Abaeté, mas continuei vinculado ao governo até 1994.

NJ: Quais foram as mudanças que o senhor constatou nestes últimos anos em Brasília?
LLP: Como pioneiro, eu tenho tristeza em afirmar que o que tenho visto ultimamente em Brasília são coisas negativas. Aliás, eu e todos os “primeiros brasilienses”. Sabemos que a cidade foi idealizada para abrigar, no máximo, 500 mil pessoas e hoje comporta 2,5 milhões. A explicação é a seguinte: as pessoas foram atraídas pela facilidade de se conseguir lotes para a construção da casa própria. Assim que se iniciou o processo de eleição no Distrito Federal, os políticos usaram atitudes um tanto quanto populistas para comprar votos; passaram a criar diversos loteamentos em áreas que não eram para ser loteadas, e Brasília virou uma grande cidade.
Não era para ser assim. Isto é uma unanimidade entre os pioneiros. A violência e o desemprego, no caso de Brasília, estão diretamente ligados a este crescimento desordenado.

NJ: O senhor teria algo a destacar da obra, particularmente?
LLP: A construção da Asa Norte. Após a inauguração de Brasília, o ritmo das obras continuou o mesmo. Em maio de 1960, num dia do qual me recordo como se fosse hoje, o Dr. Vasco Vianna de Andrade (que era chefe do Departamento de Viação e Obras) me pegou de jipe e entramos em uma trilha na região onde encontra-se hoje a Asa Norte. Essa trillha ligava-nos até Planaltina. Era um cerradão.
Quando estávamos próximos ao viaduto-ponte do Braqueto, lá no final da Asa Norte, Dr. Vasco falou dessa forma para mim: “olha, Leonardo, você será o chefe da construção da Asa Norte. Isso que está aqui foi a forma como eu encontrei a Asa Sul, quando aqui cheguei. Você terá a mesma oportunidade. Será tudo sob a sua responsabilidade: desde as marcações até a terraplanagem, tubulações, viadutos e o asfalto do eixo rodoviário… E tudo tem que estar concluído até o dia 12 de setembro, no aniversário de JK”. Lembrando que estávamos em maio, e aquilo era puro mato. E não se podia falar não. Ele me perguntou: “Tem possibilidade?” Eu respondi: ”Claro”, meio apreensivo (risos).
Deu algumas coordenadas e depositou confiança, dizendo que eu podia fazer que ele se responsabilizava. E eu comandei as obras da Asa Norte. Ele contratou as empreiteiras, providenciamos a topografia da região, eu brigava com um e outro, passava meus dias e partes de minhas noites lá. Obra aqui e ali… No fundo, eu não acreditava que fôssemos conseguir terminar as obras até o dia 12 de setembro. Mas conseguimos.

NJ: Muitos apontam JK como o principal responsável pelo aumento da dívida externa brasileira, devido à construção de Brasília. Até que ponto o senhor acredita que esta obra tenhasido desnecessária, levando-se em consideração a situação econômica do país na ocasião?
LLP: Eu não acredito que tenha sido uma obra desnecessária, não. Apesar das dificuldades econômicas do país na década de 60, devemos levar em consideração que a construção de Brasília não significou somente a transferência da sede do Governo Federal para o centro-oeste, e sim uma transformação na distribuição demográfica no Brasil.
Até a construção de Brasília, as regiões norte e, principalmente, centro-oeste eram apenas refúgios para criminosos, eram regiões sem leis e pouco habitadas.
Hoje, são prósperas economicamente, graças ao novo povoamento implantado com a nova capital. Esta foi a principal característica desta obra: levar um contingente maior para o centro do país, desafogando um pouco o litoral do Brasil.
Eu acho ainda que não foi a construção de Brasília que acentuou nossa dependência externa. Houve muitos governantes anteriores e posteriores a JK que deixaram sua parcela de contribuição para este desastre econômico.

NJ: Finalizando, foram realmente 50 anos em 5?
LLP: Sem dúvida. Nestes cinco anos, surgiu do meio do cerrado uma linda cidade; o Brasil teve um avanço muito grande com a instalação de uma ampla malha rodoviária; foi criada a indústria automobilística, quando ninguém acreditava que um dia o pobre Brasil pudesse construir seus carros; várias usinas hidrelétricas, dentre elas a de Três Marias, foram construídas e propiciaram uma melhor qualidade na energia elétrica do país… foi um avanço incalculável para o Brasil, embora a ainda hoje não seja tão reconhecido.

Imagens: internet

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