Zé Maria e a Semana Santa

Wagner Túlio Pereira

Ainda ouço a voz do nosso querido Zé Maria, que foi sacristão da Igreja por vários anos.  Quem não parou para escutar a sua prece da Ave Maria? O tempo parava, e somente sua voz ecoava, todo santo dia, em nossos corações e mentes. O Zé nos faz lembrar do  passado, com satisfação e alegria de ter vivido num mundo cheio de dificuldades, mas com a presença de guias iluminados, que davam exemplo de simplicidade e amor ao próximo. 

Zé Maria

Frei Carlos  Josaphat

Na década de 50 e anos 60, tivemos em Abaeté a importante presença da Igreja através dos padres Frei Mário, Frei Cornélio, Frei Heleno e tantos outros, que souberam trabalhar com dignidade em todas as classes sociais, principalmente  daqueles mais pobres.

Frei Mário e sua bicicleta velha rodando pelas ruas empoeiradas do Abaeté para levar uma extrema-unção ou uma bênção na casa de algum doente,  ou indo  celebrar uma missa na capelinha de São José. Muitas vezes, foi nas fazendas de Abaeté e do Cedro levar a  palavra do Cristo e sua energia santa. Dormia no chão frio “batido”, mostrando seu exemplo de desapego e simplicidade. Sinto que Frei Mario deveria ser canonizado devido sua vida monástica e desapegada do mundo consumista e materialista dos dias atuais.

A Igreja progressista tornou-se uma resistência contra a exploração dos oprimidos. Frei Carlos Josaphat sagrou-se um expoente dessa nova Igreja, que ainda luta a favor dos explorados e escravizados pelo capital selvagem que impera em nosso país, desde os tempos imperiais. Haja vista inúmeros trabalhos escravos ainda existentes em várias regiões do Brasil. Frei Carlos foi uma das maiores expressões da Igreja com uma visão social do cristianismo.

 

 

 

 

Frei Mário

O querido Zé Maria sacristão também fez parte desse mundo sem luxo e sem riqueza e também deveria ser homenageado e canonizado pela Santa Madre Igreja, a quem serviu por longos anos. Hoje, ele vive em comunhão com os animais que vão à sua procura para receber um carinho e toda a sua bondade. Como São Francisco de Assis, busca viver em harmonia com os pássaros, plantas e animais. Quando chega às seis horas da tarde em Abaeté, volto a lembrar dessa voz inesquecível, misteriosa e profunda do Zé Maria sacristão. Dois seres humanos que dedicaram suas vidas em benefício do próximo.

Encenação da Paixão de Cristo

Nos próximos dias, começam os festejos da Semana Santa. Cerimônias que lembram a passagem de Cristo pela terra. Imagens de sofrimentos e intolerância fazem parte dessa semana cultuada centenas de anos. Recordo da cerimônia do lava-pés, simbolizando a humildade que devemos ter na vida.

A procissão da sexta-feira santa era acompanhada por centenas de pessoas em Abaeté. Figuras ilustres, como o Dr. Amador e família, os Cunha Pereira, prefeitos, vereadores e pessoas humildes do bairro Marmelada, das roças e da rua do capim. Todos acompanhavam o cortejo que se arrastava lentamente pelas ruas sem asfalto ou calçamento. As velas acesas, muitas vezes, queimavam os lindos cabelos de alguma donzela descuidada. A banda de música regida pelo seu Valtinho tocava canções tristes para recordar o sacrifício da morte de Cristo e da nossa impermanência nesse mundo sem amor, como dizia o poeta. O som da “matraca” na procissão servia para nos amedrontar, imitando as risadas do diabo, que sempre se faz presente nos sete pecados capitais preconizados por Santo Agostinho.

 Sábado de Aleluia era o momento da queima de Judas com uma carreata pela cidade, que finalmente parava na praça da capelinha de São José. O querido e alegre Professor Lídio lia um testamento dos bens herdados de Judas. De uma forma alegre e cômica, exaltava os pontos fracos das pessoas conhecidas ali presentes. Todos caíam na gargalhada. Em seguida, fazia-se a malhação de Judas (coitado) com o fogo da terra expurgando os pecados de cada um presente. Tudo era motivo de festa e alegria naquele dia que jamais voltará. Apenas em nossa memória ficará.

Domingo de Ramos